O número de pedidos de recuperação judicial (RJ) no setor rural tem aumentado nos últimos anos no Brasil e em Mato Grosso. Em 2024, somente no estado, foram 173 pedidos. Em todo o Brasil, os pedidos saltaram de 534 em 2023 para 1.272 em 2024, um crescimento de 138% de um ano para o outro.
O pedido do grupo Safras, no início do mês de abril, assustou o setor e toda a sociedade mato-grossense. Considerado um gigante do agronegócio, o grupo, com sede no município de Sorriso, declarou dívidas no valor de R$ 2,2 bilhões. O pedido ainda está em análise pela Justiça de Sinop.
A maioria dos pedidos, porém, vem de pequenos e médios produtores, com valores que variam entre R$ 50 milhões e R$ 250 milhões. As justificativas para o endividamento são, em geral, a queda no preço da soja e questões climáticas.
Os problemas dos produtores rurais, sejam pessoas físicas ou jurídicas, começaram em 2022, com a redução no preço da soja. O aumento da oferta mundial da commodity reduziu, naturalmente, o valor do grão. Em 2024, essa redução nos preços se consolidou à medida que grandes países produtores, como os Estados Unidos, registraram safras robustas, com destaque também para uma boa safra da Argentina.
Isso gerou um desafio de comercialização para os produtores, e aqueles que não se planejaram financeiramente ou continuaram a investir na aquisição ou arrendamento de terras, mesmo com ganhos reduzidos, passaram a ter dificuldades em cumprir com seus compromissos financeiros, especialmente em relação aos créditos rurais contraídos para financiar a safra.
“O que está acontecendo é que alguns produtores, que já sabiam que o preço da soja tinha caído em 2022, não se programaram, não seguraram o dinheiro e alavancaram comprando terras. Agora estão endividados e não conseguem mais pagar suas dívidas”, explica a presidente da Comissão do Agronegócio da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT), Samantha Rondon Gahyva.
A advogada lembra que o produtor rural tem uma realidade diferente, vive de riscos, em uma atividade que “necessariamente passa por riscos. Um ano tem chuva, no outro tem menos chuvas. Um ano tem geada, no outro tem estiagem. O produtor sabe disso. Houve falta de planejamento”.
A informação é confirmada pelo Funding da Soja 2024 do IMEA (Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária). O documento, publicado anualmente, faz um balanço e uma projeção dos recursos financeiros disponíveis no mercado para o plantio do grão.
O Funding 2024 apontava que, com “o cenário atual, diante da diminuição dos preços da oleaginosa desde a safra 2022/23, a gestão eficiente de custos, a análise criteriosa das condições de mercado e do clima serão determinantes para mitigar os riscos e adaptar-se ao cenário de volatilidade, garantindo, assim, a melhor tomada de decisão para os produtores”, já avisava o documento.
O crescimento da recuperação judicial no campo tem impactado todo o setor. Samantha destaca que existe todo um sistema sofrendo com a “enxurrada” de pedidos de recuperação judicial. A principal consequência dessa enxurrada é o aumento no custo do crédito e a dificuldade em conseguir financiamento para o custeio da produção.
“A alta nos pedidos de recuperação está modificando toda uma engrenagem, porque, mais do que em outros setores, no setor rural todos estão engrenados, conectados. A maioria dos produtores precisa de financiamento para custear a safra, mas quando os créditos começam a não ser adimplidos, fica mais caro conseguir esse crédito. Se o grande não consegue crédito, consequentemente, o pequeno também não vai conseguir.”
“Entre os anos de 2023 e 2024, o mercado de crédito tem se mostrado mais burocrático e com maiores custos para o financiamento do setor, diante de um menor capital disponível no campo. Com isso, há uma tendência de diminuição das negociações a prazo em insumos e o encarecimento do crédito, além do aumento de obstáculos na tomada de recursos”, explica o Funding do IMEA.
Sorriso é considerada a campeã em empresas que entraram ou tentaram entrar em recuperação judicial. Foram cerca de 20 empresas.
Veja alguns casos!
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Planejamento
Samantha aponta que a recuperação judicial é um instrumento essencial para a economia, salvando empregos, tributos, os bens da recuperação, entre outros, mas o problema é como vem sendo utilizado nos últimos anos. “É um instrumento necessário para um momento de crise financeira, para o produtor que se descapitalizou por um momento e precisa de um respiro. Não para aquele produtor que comprou 50 mil hectares para plantar soja em um momento de incertezas, que não sabe quais serão seus ganhos, e usa o instrumento porque não se planejou”, diz Samantha.
A presidente da Comissão da OAB-MT lembra que, em momentos de dificuldades financeiras, todos precisam reduzir os gastos. O mesmo acontece com o agricultor. “Se está com problemas financeiros, contenha os gastos, não vá comprar mais terras ou fazer outras aquisições.”
A legislação permite que o mesmo produtor ou empresário possa pedir recuperação mais de uma vez, chegando a duas ou três vezes, fato que tem acontecido, mostrando um desconhecimento ou má gestão dos negócios agrícolas.
O IMEA emite um alerta para a próxima safra – 2025/2026: “O custeio da próxima safra pode sofrer variações a partir da oferta e demanda de insumos, os custos logísticos e fatores cambiais. A incerteza climática e a produção da segunda safra de milho em estágio de definição podem comprometer a margem de lucro dos produtores que adotam o sistema soja/milho, aumentando a necessidade de uma gestão de custos ainda mais cautelosa.”
“O agricultor tem que voltar a saber gerar o risco que ele corre na sua atividade, o risco no campo”, lembra Samantha Gahyva.
MIDIAJUR COM JKNOTICIAS