O município de Sorriso (MT) se destaca pela pujante produção de soja, mas nos últimos anos tem aparecido de outra forma: a de cidades mais violentas do país. Pelo terceiro ano consecutivo, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública coloca a “capital do agronegócio brasileiro” na lista das 20 cidades com mais MVI (mortes violentas intencionais) do país, de novo a única do Centro-oeste nessa lista.
A violência no município foi impulsionada a partir de 2022 por uma intensa guerra de facções na disputa por territórios. O fato novo daquele ano foi o surgimento de um grupo local, a Tropa do Castelar, que nasceu de uma ruptura com o CV (Comando Vermelho), contra quem iniciou uma sangrenta guerra.
Aliado do PCC, o grupo cresceu basicamente com a atuação de jovens cooptados para o crime e passou a atuar com comércio de drogas, armas de fogo, sequestros e assassinatos de rivais.
Naquele ano de 2022, o município de 110 mil habitantes no centro do estado do Mato Grosso apareceu pela primeira vez entre as líderes do ranking de MVI no país.
Taxa de mortes violentas e posição de Sorriso no ranking nacional de MVI:
2022 – 70,5 mortes por 100 mil habitantes (7º no ranking)
2023 – 77,7 (4º)
2024 – 59,7 (13º)
Apesar da queda nos números em 2024, Sorriso ainda aparece com o triplo da taxa nacional de MVI por 100 mil habitantes do ano passado, que ficou em 20,8. A cidade mais violenta do país em 2024 foi Maranguape (CE), com taxa de 79,9 mortes por 100 mil. (Veja a lista das 10 mais violentas).
90% das mortes de ligados a facção
A maioria das mortes em Sorriso está relacionada a essa guerra. Em 2023, um estudo do Observatório Secretaria de Estado de Segurança Pública apontou que dos 81 homicídios na cidade, 90% envolveram pessoas ligadas a facções.
58 foram conflitos entre faccionados
15 morreram em relatado confronto com forças de segurança
8 vítimas não tinham passagem criminal
Outro dado de violência alarmante de Sorriso é que ele liderou em 2023 e apareceu na segunda posição em 2024 na lista de cidades com maiores taxas de estupro e estupro de vulnerável, com 131,9 casos para cada 100 mil habitantes.
O que houve com Sorriso?
Segundo Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a facção se tornou em pouco tempo a com maior controle de territórios na cidade. “Ela hoje é dominante, mas não hegemônica como o PCC é em São Paulo”, diz.
“Essa é uma facção que surgiu de pessoas que saíram do CV e com integrantes jovens. Eles não têm lideranças tradicionais e, para conseguir o espaço, fazem uso de forma intensa da violência. Com menos organização, eles vão se impondo na força”, explica.
Para Renato, Sorriso enfrentou um problema comum com as cidades que recebem grandes empreendimentos e passou a ser “vítima” do seu próprio desenvolvimento. “Essa dinâmica já é conhecida: quando uma fronteira econômica é ampliada, leva junto o crime”, diz.
“A dinâmica que vemos é que: primeiro chega a alta da população, da economia e depois chegam os problemas. Isso já faz parte da história quando falamos de locais que historicamente não têm estrutura para dar conta do recado contra as facções“, diz Renato Sérgio de Lima
Outro ponto que ele cita é que a cidade tem uma importância logística, já que o tráfico acaba se beneficiando da abertura de rotas. “O agro vai mandar seus produtos para portos, e para isso se ampliam ferrovias, rodovias. O tráfico vai usar essa mesma estrutura, os caminhões, os trens”, diz.
Como surgiu a facção
A Tropa do Castelar surgiu em meados de 2022, quando integrantes do CV baseados em Sorriso se desentenderam com a liderança da facção devido a punições severas, reclamando de execuções por supostas infrações internas —uma prática conhecida como “cabritagem”, que é a venda de drogas sem autorização de líderes ou condutas consideradas graves pelo regimento interno do CV.
Em rivalidade, esses dissidentes decidiram criar o novo grupo e passaram a tentar dominar o tráfico e os territórios previamente controlados pelo CV em Sorriso.
Para ganhar força e recursos, como armas, a nova organização contou com uma aliança estratégica com o PCC, que tem interesse na área e já alimentava uma relação conflituosa com o CV.
A presença do PCC, por sinal, sempre existiu na região próxima à fronteira com a Bolívia, já que o grupo paulista sempre dominou a rota rodoviária que leva a droga para São Paulo e Paraná —e que corta Sorriso.
Estado fala em ações e redução
Em nota, o Governo de Mato Grosso afirma que implantou o programa Tolerância Zero contra as facções criminosas em novembro de 2024, e “os resultados já são nítidos em 2025”. “De janeiro a junho deste ano, Sorriso apresentou queda de 75,6% no número de homicídios dolosos, na comparação com o mesmo período de 2024. Caiu de 40 para 10 ocorrências”, diz.
Já a Secretaria de Estado de Segurança Pública diz que intensificou as ações policiais com foco no combate às facções e vem “combatendo com ações de prevenção, repressão e inteligência policial com objetivo de identificar, prender e responsabilizar os criminosos, de acordo com as leis brasileiras”.
“Como parte do Programa Tolerância Zero, o Governo do Estado desenvolve ações voltadas ao sistema prisional, aumentando a segurança nas unidades de reclusão para impedir a entrada de celulares, fugas e práticas criminosos dentro dos presídios. O Governo do Estado está aliando o uso da tecnologia de videomonitoramento às ações das forças de segurança pública. Por meio do programa Vigia Mais Mato Grosso, Sorriso recebeu 335 câmeras de videomonitoramento. As imagens das câmeras são acompanhadas no Ciosp (Centro de Operações em Segurança Pública) em celulares pelos policiais durante seus turnos de trabalho“, Governo de Mato Grosso
Por fim, diz que o governo chama a população a colaborar com canal específico para denúncias: “É o disque-extorsão 181, número pelo qual se pode fazer denúncia para ajudar em investigações e prisões, que oferece a garantia de sigilo absoluto do denunciante”.
UOL
