Um bebê, de 3 meses, em estado crítico, com síndrome de Down, cardiopatia congênita, dengue grave e sepse, teve a vida salva após a Justiça autorizar uma transfusão de sangue, que os pais recusaram por motivos religiosos.
Os pais, seguidores das Testemunhas de Jeová, baseiam a recusa em passagens bíblicas como Levítico 17:12 e Atos 15:29, que interpretam como proibição do consumo ou transfusão de sangue.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) autorizou a transfusão de sangue em um bebê após os pais, que são Testemunhas de Jeová, a recusarem por motivos religiosos.
A decisão foi assinada pelo juiz Robespierre Foureaux Alves, da Vara da Infância e Juventude de Maringá, no norte do estado.
Segundo o TJPR, o bebê de três meses tem síndrome de Down, uma cardiopatia congênita e está internado com dengue grave e sepse.
As Testemunhas de Jeová se baseiam em interpretações de passagens bíblicas que consideram o sangue sagrado e, por isso, não aceitam transfusões de sangue. Sendo assim, os seguidores da religião evitam “tomar o sangue” por qualquer via, por obediência divina.
O hospital relatou à Justiça que era necessário monitoramento constante e uma possível realização de transfusão sanguínea para prevenir descompensação cardiovascular grave, intubação e risco iminente de morte.
Na decisão, o juiz destacou que negar a transfusão à criança pode causar a morte ou lesão grave permanente, o que implicaria “na restrição máxima e irreversível ao direito à vida da criança”.
Dessa forma, conforme Alves, a autorização implica na restrição moderada e temporária à liberdade de crença dos pais, o que é, segundo o juiz, desproporcionalmente menor ao sacrifício da vida da criança.
“Não se exclui o direito à liberdade religiosa de seus genitores. Contudo, a proteção do direito à liberdade de crença, em níveis extremos, defronta-se com outros direitos fundamentais, norteadores de nosso sistema jurídico-constitucional, a saber, os direitos à vida e à saúde”, defende o juiz.
Com a decisão, a equipe médica pode fazer, sempre que necessário, transfusão sanguínea e procedimentos considerados imprescindíveis para a preservação da vida e da saúde da criança durante o período de internação
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou, no último domingo (17/08), maioria para rejeitar o recurso do Conselho Federal de Medicina (CFM) e manter a decisão que garante o direito de pacientes recusarem transfusões de sangue por motivos religiosos. A medida reforça a proteção legal a grupos como as Testemunhas de Jeová, que se opõem ao procedimento por convicções de fé.
A decisão tem repercussão geral, o que significa que deve ser aplicada em todos os tribunais do país, servindo de referência para casos semelhantes.
Em setembro de 2024, o STF já havia decidido que ninguém é obrigado a se submeter a tratamentos médicos que contrariem suas crenças religiosas, desde que a decisão seja tomada de maneira consciente e informada. Essa liberdade inclui a possibilidade de registrar essa vontade antecipadamente.
Além disso, a Corte estabeleceu que, sempre que possível, alternativas técnicas que dispensem transfusão de sangue devem ser consideradas, desde que aprovadas pela equipe médica e pelo paciente.
O CFM questionou essa decisão, alegando que o STF não deixou claro o que fazer quando o paciente não pode manifestar seu consentimento, como em casos de emergência com risco de morte.
Dois casos reais foram utilizados para fundamentar a decisão: uma mulher em Maceió que recusou transfusão para cirurgia cardíaca, e uma paciente do Amazonas que solicitava à União o custeio de uma cirurgia em outro estado, onde poderia ser realizada sem uso de sangue.
No voto de rejeição ao recurso, Gilmar Mendes reforçou que o tribunal já havia abordado as dúvidas levantadas pelo CFM, ressaltando que, em situações críticas, os profissionais de saúde devem agir com todo o cuidado possível, respeitando as convicções religiosas do paciente.
O julgamento foi realizado plenário virtual e teve relatoria do ministro Gilmar Mendes, que votou contra o recurso. Os ministros Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, André Mendonça e Dias Toffoli também se manifestaram contrariamente. A sessão segue aberta até a meia-noite desta segunda-feira, podendo ser estendida caso algum membro da Corte peça mais tempo para análise.
O GLOBO