Há um ano, entre a noite de sexta-feira e a madrugada de sábado, 24 e 25 de novembro de 2023, ocorria a maior tragédia já vista em Sorriso. Cleci Calvi Cardoso, de 46 anos, e suas filhas Miliani de 19 anos, Manuela de 13 anos e Melissa, de 10 anos, foram mortas em sua residência por Gilberto Rodrigues dos Anjos, de 32 anos, pedreiro que trabalhava em uma obra ao lado da casa das vítimas.
Na noite do crime Gilberto usou um andaime da construção para ultrapassar a cerca elétrica e invadir a casa pela janela do banheiro. Após cometer os homicídios e estupros, ele retornou à obra, onde limpou o sangue das roupas e escondeu os pertences ensanguentados em um contêiner. Os corpos das vítimas só foram descobertos na segunda-feira (27 de novembro), quando a ausência da família chamou a atenção de vizinhos e parentes.
Regivaldo Batista Cardoso, pai das meninas, e marido de Cleci, na época estava trabalhando com seu caminhão em outro estado, e ao não conseguir contato com as filhas e esposa, chamou uma equipe da polícia e pediu que fossem até o local, na época dos fatos um circulou áudio de Regivaldo mostrando a preocupação do homem com a falta de notícias da família. Os corpos foram encontrados pela guarnição da PM, e o Corpo de Bombeiros que estava no local para controlar os cachorros da família.
No momento em que a Polícia Civil chegou ao local para as investigações, Gilberto, agindo como se fosse apenas mais um curioso, acompanhava as movimentações junto aos colegas de trabalho. Ele foi identificado como suspeito após uma denúncia anônima recebida pelo jornalista Jonatha Kennedy, do portal JK NOTÍCIAS. Durante a abordagem, ele apresentou a cópia da identidade como documento.
Durante checagem dos dados pessoais, a equipe policial apurou que contra ele havia dois mandados de prisão em aberto, um pela Comarca de Lucas do Rio Verde por crime sexual, e outro pela Comarca de Mineiros, em Goiás, pelo crime de latrocínio. Questionado, ele ficou nervoso e alegou que não ter ouvido qualquer barulho na casa das vítimas durante o final de semana.
Na casa perícia encontrou marcas de chinelo ensanguentadas no piso da residência, que correspondiam a um calçado de Gilberto. Pressionado pelos indícios, ele confessou o crime, detalhando que estava sob efeito de drogas na ocasião. Em interrogatório ele deu detalhes do crime. Ele contou que estuprou três das vítimas enquanto elas ainda agonizavam, após serem esfaqueadas por ele.
Após a descoberta dos corpos em 27 de novembro, Gilberto Rodrigues dos Anjos foi interrogado pela polícia e, ainda no mesmo dia, transferido de Sorriso para a Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira, em Sinop, por um helicóptero do Centro Integrado de Operações Aéreas (Ciopaer). A transferência foi solicitada pelo delegado Bruno França Ferreira para garantir a segurança do preso, já que a cidade estava em comoção, e moradores revoltados planejavam invadir a delegacia para linchá-lo.
Contudo, diante do clamor popular causado pela chacina, no dia 29 de novembro, Gilberto foi novamente transferido, desta vez para a Penitenciária Central do Estado (PCE), em Cuiabá. A decisão foi tomada pelo juiz Walter Tomaz da Costa, da Vara Criminal de Sinop, considerando que a PCE oferece o mais alto nível de segurança do Estado.
Em 15 de dezembro de 2023, o Ministério Público de Mato Grosso aceitou a denúncia contra Gilberto, indiciando-o pelos seguintes crimes:
Cleci Calvi Cardoso (46 anos): homicídio qualificado pela crueldade; recurso que impossibilitou a defesa da vítima; agiu para garantir a execução de outro crime; e com menosprezo pela condição de ser mulher e estupro.
Miliani Calvi Cardoso (19 anos): homicídio qualificado pela crueldade; recurso que impossibilitou a defesa da vítima; agiu para garantir a execução de outro crime; e com menosprezo pela condição de ser mulher e estupro.
Manuela Calvi Cardoso (13 anos): homicídio com 5 qualificadoras: crueldade; recurso que impossibilita a defesa da vítima; para garantir a execução de outro crime; menosprezo pela condição de ser mulher; e crime contra vítima menor de catorze anos e estupro de vulnerável.
Melissa Calvi Cardoso (10 anos): homicídio qualificado por asfixia; recurso que impossibilitou a defesa da vítima; para garantir a impunidade de outro crime; menosprezo pela condição de ser mulher; e crime contra vítima menor de catorze anos.
Em maio de 2024 ocorreu a primeira audiência do caso. Durante a sessão, foram ouvidas as declarações de três familiares das vítimas e de oito policiais civis e militares que participaram das investigações e diligências.
Em junho de 2024, o advogado Conrado Pavelski Neto protocolou um pedido de indenização de R$ 40 milhões contra o Estado, em nome do pai e da avó das vítimas, responsabilizando o governo pela negligência que permitiu a tragédia.
Em julho de 2024, o juiz Rafael Depra Panichella determinou que Gilberto fosse submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri. Entretanto, a Defensoria Pública recorreu da decisão, e o julgamento segue sem data definida.
O crime expôs falhas no sistema de justiça criminal. Meses antes da chacina, em setembro, Gilberto procurou ajuda em uma delegacia após cometer estupro e tentativa de homicídio em Lucas do Rio Verde, mas os policiais não o identificaram devido a erros na base de dados.
O caso motivou a senadora Margareth Buzetti a apresentar o Projeto de Lei Mulheres Calvi Cardoso (PL 6212/2023), propondo a criação de um Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais, além de maior transparência em processos judiciais envolvendo crimes graves.
Um ano após o crime, a população de Sorriso ainda aguarda o desfecho do caso. O processo tramita no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, onde o recurso da defesa de Gilberto está em análise. A família das vítimas, assim como os moradores da cidade, espera celeridade no julgamento para que o assassino seja responsabilizado pelos atos que chocaram o país.